Mensagem do escritor Agassiz Almeida ao ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Neste momento da vida da nação, quando o ordenamento jurídico do país é afrontosamente atropelado e a soberania popular, alicerce do Estado Democrático de Direito, pisoteada pelo Tribunal Superior Eleitoral, (TSE), dirijo esta mensagem a Vossa Excelência carregada de indignação como expressão das consciências livres.
De alguns meses para cá, ao acompanhar os julgamentos do TSE, um temor me domina. Não sei se meus olhares se turvaram. Certos julgadores, desta alta Corte de Justiça, transvestem-se em verdadeiros semideuses do Olimpo. O que eles retratam nos deixa uma sensação de sobressalto. Sob o amparo de uma desordenada lei da ficha limpa, sobrelevam a soberania popular manifestada em milhões de sufrágios e escolhem, eles próprios, os eleitos gestados naquele cenáculo de justiça.
Que excrescente tipo de democracia é esta em que os derrotados nas urnas se metamorfoseiam em vitoriosos?!
A que assistimos? À ditadura da justiça, aliada à tirania da mídia, a desencadear implacáveis julgamentos de escancaradas iniquidades. Neste enorme anfiteatro, as mãos que enfeixam o poder televisivo são as mesmas que acusam, julgam e lançam à execração pública os guilhotinados.
Que poderosa atriz compõe este cenário! Ela se chega transfigurada sob o manto da serenidade, imparcialidade e, acima de tudo, numa majestática postura de não se curvar a nenhuma pressão de qualquer jaez. De quem falamos? Desta desditosa deusa Thémis em cuja mão puseram uma balança representando a justiça, e na outra, uma espada, representando o poder da força. O que hoje se pratica traumatizando o país? Arrancaram a venda dos olhos de Thémis, quebraram a balança em que ela sustenta o direito e se desandaram num festival de insensatez, no qual a soberania popular é malbaratada.
Assim, somos jogueteados pelo “samba do crioulo doido”, bordão lançado por Stanislaw Ponte Preta em crítica à Ditadura Militar.
Convoca o TSE o povo brasileiro para o “desideratum” das urnas. Eleitos os vitoriosos pela livre e legítima vontade popular, os semideuses do Olimpo os derrotam nos seus conciliábulos e fazem ungidos como seus preferidos os candidatos derrotados. Que tipo de idiossincrasia é esta? Só Molière poderia teatralizar este quadro de patético surrealismo.
Em certo julgamento ocorrido no alto plenário da Justiça Eleitoral, um destes Catão, intervindo no processo de votação, lançou no mesmo caldeirão os protestos tiriricados e a votação emanada da soberania popular.
Que escárnio indecente!
Ousamos perguntar: como aquele constitucionalista chegou até ali naquele alto proscênio do Tribunal Superior Eleitoral?
Ao assistirmos às sessões deste tribunal, temos a sensação de olhar um despenhadeiro no fundo do qual justiçados pelo ódio são lançados à desdita pública. No mundo, só a Justiça do Brasil pratica esta arte demoníaca do linchamento televisivo.
De que sabedoria e imparcialidade se investem aqueles oráculos da lei ao sobrepairarem impávidos à vontade das urnas?
Neste cenário, um vulto, dando-nos a impressão de que queria saltar da tela da televisão, contorceu-se e riu. Quem era aquele tipo? Um ministro, filhote da Ditadura Militar. Com o seu voto, ele venceu a soberania popular.
Para certos julgadores, de formação antidemocrática, que plena inebries assistir à vontade do povo esfarrapada. Uma espécie de frenesi os domina. Dizem eles: “Que democracia é esta que produz os Tiriricas da vida?” Sabem estes críticos que o regime democrático tem instantes de grotesco. É a alma do povo nos seus desvãos.
Quando a soberania popular, base do Estado de Direito, é afrontada, instala-se o caos que ameaça a democracia.
O que presenciamos? A liberdade e a livre escolha democrática pelo voto do povo desconstituídas pelo arbítrio de alguns olímpicos julgadores. Que justiça é esta? Que direito tem a ampará-la?
Desventurado Brasil onde se comete tamanha insensatez. Afinal, para onde caminha a nação com estas afrontas aos postulados democráticos, Sr. ministro? Esta justiça em descompasso com a soberania popular foge ao tempo presente e se desanda pela vontade e ambição de certos grupos.
Cabe a Vossa Excelência por um basta nesta marcha da insensatez e fazer o reencontro da Nação com os verdadeiros ideais de Justiça.
Plenário de tribunal não é arena de Coliseu romano onde se expunham condenados e os execravam para o delírio das multidões. Os centuriões de hoje precisam ser refreados, Sr. ministro. Eles estão por aí sôfregos por holofotes de televisão.
Saudações democráticas,
Agassiz Almeida.
Agassiz Almeida, deputado federal constituinte de 1988, escritor do grupo Editorial Record, autor destes clássicos da literatura brasileira, “A República das elites” e “A Ditadura dos generais”. Promotor de Justiça aposentado, professor da UFPB. Participou de vários congressos mundiais em defesa dos Direitos Humanos e de autênticas democracias.